Vivemos numa sociedade capitalista, de consumo, onde as transações comerciais e as relações consumistas acontecem numa profusão incontável, travadas aos milhares, a cada minuto. Enquanto este artigo esta sendo lido, certamente inúmeras tratativas estão sendo alinhavadas nos mais diversos seguimentos econômicos e sociais.
A economia capitalista, como um todo e por sua vez, oscila de tempos em tempos entre momentos de alta, de pujança e desenvolvimento, e outros, de retração, recessão, como se verifica atualmente em grande parte do planeta, desencadeada pela crise da economia americana. Em tais momentos se agrava o fenômeno do desemprego, da redução dos salários, de vantagens laborativas, etc., enfim, piora a situação econômico/financeira de grande parte da população. A consequência natural é o aumento significativo dos índices que acompanham a inadimplência em relação aos pagamentos das transações comerciais.
Para combater esse problema surgiram no mercado as empresas especializadas em cobranças e recuperação de créditos. O comércio, a indústria e os serviços logo perceberam que era muito mais cômodo terceirizar o setor de cobranças, entregando a instituições especializadas, evitando transtornos, desgastes e até despesas, uma vez que a remuneração desse tipo de serviço também seria “terceirizada” para o devedor, na grande maioria dos casos.
Ocorre que a maior parte dessas empresas especializadas lançam mão de estratégias e expedientes de cobrança que ferem a dignidade do consumidor, assim como às normas estabelecidas pela Lei 8078/90 – O Código de Defesa do Consumidor – e até a Constituição Federal, chegando mesmo a se configurar como crime. É o que se chama de cobrança abusiva.
Quem nunca ouviu falar (ou vivenciou) casos de cobranças com ameaças variadas, desaforos, indiscrições como deixar recados sobre a inadimplência com familiares, colegas ou chefes, no trabalho, cartas de cobranças abertas ou com a palavra COBRANÇA escrita em destaque e negrito, por exemplo?
Já o Código de Defesa do Consumidor, no art. 42, proclama que:”Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”. O parágrafo único desse artigo, a seu tempo, estatui que o consumidor cobrado por quantia indevida tem direito a receber o dobro do valor que pagou em excesso, acrescido de juros e correção monetária.
Se até aqui nada disso tiver sido suficiente, porém, para educar o fornecedor na relação de consumo, o art. 71 traz uma abordagem mais convincente – Ele tipifica como crime, passível de detenção de três meses a um ano, mais multa:
“Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com o seu trabalho, descanso ou lazer”.
A conclusão a que podemos chegar neste artigo é a de que o fornecedor precisa compreender – e a legislação brasileira irá ensinar à medida que a população passe a ter maior consciência e exercite os seus direitos – que a condição eventual de devedor (mesmo em estado de insolvência) não retira a prerrogativa da dignidade do cidadão-consumidor, não ensejando a prática de cobranças vexatórias, aviltantes ou degradantes. O direito ao crédito, pois, não é um direito ilimitado e irrestrito, ele esbarra no direito à dignidade do consumidor.
Por fim, o ordenamento jurídico pátrio, em respeito á dignidade do credor, possui meios legais, eficazes e adequados de se proceder à cobrança de dívidas, através do Poder judiciário, com força coercitiva suficiente para obrigar o devedor solvente a pagar o débito, dentre as quais: a penhora de bens móveis e imóveis, de rendimentos, de direitos creditícios, bloqueio de contas bancárias, aplicação de multas, restrição de direitos, etc., sem que se precise massacrar a honra e a dignidade do consumidor.
Por Henrique Guimarães, Advogado (OAB-BA) Especialista em Direito Civil e do Consumidor.
Publicado inicialmente no site Bahiajá
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