Taxa condominial só pode ser cobrada após chaves

Ainda abordando o interminável rol de situações abusivas geradas pelo chamado “Boom imobiliário” e os atrasos na entrega de obras, trataremos de mais uma questão que tem gerado bastante polêmica nas relações de consumo.

 

Como é de conhecimento geral, construtoras de todo o Brasil, mesmo daquelas mais conceituadas, têm descumprido acintosamente os prazos de entregas das suas obras, violando os contratos firmados com os consumidores. O problema tem gerado milhares de ações indenizatórias, abarrotando o Poder Judiciário, invariavelmente com desfecho em acordos judiciais propostos pela empresa ou em condenações significativas.

 

Nessa esteira, tem se tornado prática comum das construtoras instaurar o Condomínio muito antes de o empreendimento estar efetivamente pronto para ser entregue. Trata-se de um estratégia com um objetivo muito claro: repassar o quanto antes as despesas com a manutenção das áreas comuns para os consumidores adquirentes do empreendimento.

 

Com a obtenção do Habite-se a empresa pode sim, instaurar o Condomínio, mas não pode repassar as despesas condominiais para os consumidores que ainda não receberam as chaves. Aliás, neste sentido já decidiu o STJ de maneira muito lúcida que“A efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais”, como pode se ver nas decisões abaixo transcritas:

 

REsp 660229 / SP2004/0063520-0 Ministro CESAR ASFOR ROCHA 4ª T Julgamento21/10/2004 Publicação DJ 14/03/2005 p. 378

 

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONDOMÍNIO. COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS. LEGITIMIDADE PASSIVA.

 

Somente quando já tenha recebido as chaves e passado a ter assim a disponibilidade da posse, do uso e do gozo da coisa, é que se reconhece legitimidade passiva ao promitente comprador de unidade autônoma quanto às obrigações respeitantes aos encargos condominiais, ainda que não tenha havido o registro do contrato de promessa de compra e venda. Sem que tenha ocorrido essa demonstração, não há como se reconhecer a ilegitimidade da pessoa em nome de quem a unidade autônoma esteja registrada no livro imobiliário. Precedentes. Recurso especial conhecido pelo dissídio, mas improvido.

 

EREsp 489647 / RJ 2003/0107545-3 Rel. Min. Luis Felipe Salomão Publicação DJe 15/12/2009. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. AÇÃO DE COBRANÇA DE COTAS CONDOMINIAIS. POSSE EFETIVA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA ACOLHIDOS.

 

1. A efetiva posse do imóvel, com a entrega das chaves, define o momento a partir do qual surge para o condômino a obrigação de efetuar o pagamento das despesas condominiais.

2. No caso vertente, é incontroverso que o embargante está sofrendo cobrança de duas cotas condominiais referentes a período anterior à entrega das chaves.

3. Embargos de divergência providos.

 

A conclusão que se impõe é obvia: “Habite-se” não se confunde com entrega das chaves.

 

O Art. 44 da Lei 4591/65 pontua:

 

“após a concessão do habite-se pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer a averbação da construção da edificação, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante o adquirente pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação”.

 

O habite-se é apenas um ato administrativo que certificaque aquela obra está regular sob o ponto de vista da regulamentação urbanística municipal. É também um requisito necessário para que a empresa promova o registro e a individualização das unidades do empreendimento. A partir dele poderá ser instaurado o condomínio, passando o mesmo a existir juridicamente.

 

Por outro lado, não significa que as unidades já tenham sido entregues para os adquirentes.

 

Repise-se : habite-se não se confundecom a entrega das chaves, ainda que tal conste do contrato.

 

Verifica-se na prática que entre o habite-se e a entrega efetiva das chaves, acabam passando-se muitos meses, entre arremates finais, vistorias, ajustes, etc. Aliás, o raciocínio é bastante obvio:se a construtora ainda pode adentrar à unidade para ultimar reparos e ajustes, é porque é ela quem detém ainda a posse do imóvel e não o consumidor!Prova disso é que são muito comuns as queixas de consumidores sobre a morosidade das construtoras durante o processo de vistorias, já que em muitos casos levam-se meses para promoverem os reparos necessários identificados pelos consumidores.

 

A jurisprudência também já se posiciona neste sentido, como o TJ/SP:

 

COMPRA E VENDA – IMISSÃO NA POSSE – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE – PRELIMINARES DE NULIDADE, ILEGITIMIDADE ATIVA E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO AFASTADAS – Ré que não entregou no prazo previsto o imóvel em condições de habitabilidade – Entrega das chaves que, no caso, não se confunde com o “habite-se” – Autores que cumpriram a sua obrigação contratual (…) – Recurso improvido. TJ-SP Apelação Cível 994.05.094177-7 , Relator(a): Fábio Quadros – Julgamento: 12/08/2010 – Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado, Publicação: 25/08/2010.

 

“A apelada em correspondência encaminhada aos apelados afirmou que a data da entrega das chaves era a data do “habite-se”, ocorrida em 10/05/2004, e que desde essa data o imóvel estava à disposição dos apelados. Por sua vez os apelados em resposta à correspondência anteriormente referida também encaminharam missiva a apelante, na qual informam que a vistoria só foi efetivada em 24/05/2004 conforme agendado pela própria ré e que conforme essa vistoria o imóvel (apartamento 182 do Edifício Memphis) ainda não estava em condições de ser entregue. Nesse ponto, leitura do item 10.04 do contrato dá conta de que a entrega das chaves poderia coincidir com o “habite-se” (…) Não foi o que aconteceu, pois ainda existiam obras de acabamento a serem realizadas no próprio apartamento, situação não contestada pela apelante(…).Ainda que se sustente que esta cláusula permitiria à construtora cobrar valor em pecúnia dos autores, entendo que também a cobrança dessa correção monetária só poderia ser feita após a entrega das chaves do imóvel prometido à venda, na medida em que intrinsecamente relacionada à entrega do apartamento dado como parte do pagamento, em relação ao qual a referida entrega das chaves é pressuposto indispensável. (…) Ante o exposto, rejeitadas as preliminares, nego provimento ao recurso. TJ-SP Apelação Cível 994.05.094177-7 , Relator(a): Fábio Quadros – Julgamento: 12/08/2010 – Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado, Publicação: 25/08/2010

 

Em resumo, o consumidor só poderá obrigado a arcar com as taxas condominiais, e mesmo de Iptu, após ter efetivamente recebido as chaves do seu imóvel.