Cresce número de processos de altos executivos

Cresce número de processos de altos executivos

O aquecimento do mercado de trabalho está derrubando um antigo tabu. Antes raras, disputas judiciais…

O aquecimento do mercado de trabalho está derrubando um antigo tabu. Antes raras, disputas judiciais encabeçadas por altos executivos contra empresas são cada vez mais comuns.

 

Com o passe valorizado e chances reais de trocar de cadeira com facilidade, esses profissionais deixaram de temer a possibilidade de que ir à luta pelo que consideram justo possa servir de pretexto para prejudicá-los perante as empresas.

 

Toda semana escritórios de advocacia especializados recebem pelo menos uma consulta sobre o tema. Muitos casos não chegam à Justiça. Viram acordos nos bastidores. Afinal, empresas e funcionários buscam sigilo em disputas que têm pedidos de indenização com valor médio de R$ 5 milhões.

 

Um dos principais pontos de discórdia está na existência de cláusulas de não concorrência. Elas são incluídas pelas empresas para impedir que, ao sair da organização, um alto executivo reforce imediatamente uma campanha do mesmo setor.

 

Esse tipo de acerto estabelece o tempo que o executivo ficará impedido de trabalhar — geralmente um prazo entre seis meses e um ano —, o valor que irá receber como contrapartida e qual a limitação territorial da cláusula. No entanto, nem mesmo tanto detalhamento impede que os executivos contestem a exigência depois, diz Geraldo Beraldi, sócio da área trabalhista do Demarest & Almeida.

 

“Esse tipo de questão é nova para o Judiciário, que ainda não tem posição definitiva. Mas a tendência é que os juízes invalidem cláusulas de não concorrência que não estejam plenamente justificadas”.

 

Para o advogado, um dos erros cometidos pelas empresas é querer incluir essas cláusulas também em contratos de funcionários de médio escalão. “As empresas não podem abusar, banalizando uma ferramenta que serve para proteger um acordo legítimo”, alerta.

 

Segundo o especialista, que atende cerca de dez empresas envolvidas em disputas com altos executivos, esse tipo de cláusula deve se restringir a funcionários que ocupam cargos de diretoria e têm acesso a dados estratégicos das organizações.

 

Embora veja como uma tendência natural o aumento das disputas judiciais envolvendo cláusulas de não concorrência, Patricia Medeiros Barboza, do Campos Mello Advogados, diz que, atualmente, as brigas têm outra origem. “Hoje elas dizem respeito a discordâncias em valores de remuneração variável”.

 

Em um dos dez casos que a advogada acompanha, por exemplo, um ex-funcionário pede R$ 850 mil de indenização relativos apenas a programas de distribuição de ações, comuns para remunerar executivos em empresas de capital aberto.

 

Executivos contratados pelo regime de Pessoa Jurídica e chegando ao topo cada vez mais jovens são outros dois fatores que têm impulsionado o aumento do volume de processos de funcionários de alta cúpula, acredita o especialista em direito trabalhista Ricardo Freitas Guimarães, que acompanha cerca de 100 processos, cada um com pedido médio de indenização de R$ 3 milhões. “Está acontecendo o mesmo que já ocorre na base da pirâmide. O profissional aceita trabalhar como PJ, pois sabe que pode ficar fora do mercado por um tempo, mas processa a empresa quando sai”.

 

Efeitos colaterais

Quarentenas cada vez mais bem remuneradas são um reflexo direto dos novos tempos. Não são raros os casos em que executivos deixam as empresas e ficam recebendo o salário integral apenas para não reforçar o time adversário por um período. “Recentemente, houve um funcionário de uma empresa que recebeu uma proposta para ganhar 40% mais na concorrente. Pediu o mesmo para ficar parado”, lembra Cristina Buchignani, especialista em direito trabalhista do Emerenciano, Baggio e Associados.

 

A advogada, que acompanha pelo lado das empresas 11 casos que envolvem disputas com ex-diretores, afirma que as consultas sobre o assunto vêm crescendo há um ano e meio.

 

“Porteira foi aberta por executivos de bancos”

 

A falta de mão de obra qualificada para atuar no topo ampliou o poder de fogo dos executivos. Mas esse não foi o único fator que contribuiu para que eles fossem mais à Justiça. Para José Augusto Rodrigues, especialista em direito trabalhista, o movimento vem de desenhando desde o início da década, durante o processo de consolidação do setor financeiro. “Começou com gerentes processando bancos e chegou à diretoria. Eles abriram a porteira.”

 

O advogado, que hoje acompanha 120 ações desse tipo, afirma que, na época, os processos tiveram origem com demissões feitas quando um banco absorvia outro.

 

“Muitos desses executivos haviam sido disputados como jogadores de futebol, recebendo luvas para mudar de banco e foram dispensados após a fusão”.

  Países têm regras distintas sobre o tema

Berço de algumas das mais importantes empresas de tecnologia do mundo,Vale do Silício dispensa o uso de cláusulas de não concorrência.

 

Em franco processo de popularização no Brasil, o uso de cláusulas de não concorrência já é bastante comum em economias maduras. Entretanto, embora obedeça a um princípio geral similar, o de que as empresas podem resguardar segredos e estratégias, os limites da aplicação variam de acordo com o entendimento do Judiciário de cada país.

 

Um bom exemplo de como particularidades de cada local são relevantes para orientar e definir o entendimento dos juízes e do Vale do Silício, na Califórnia, berço de algumas das mais importantes empresas de tecnologia do mundo, a região dispensa o uso de cláusulas desse tipo.

 

Seria uma espécie de negação de negócio das empresas, cujo principal ativo são as pessoas. “As cláusulas não vingam porque há o entendimento de que a rotatividade dos executivos faz parte da espiral natural do setor, com a informação circulando com grande rapidez para permitir a inovação”, explica Patricia Medeiros Barboza, do Campos Mello Advogados.

 

Outro estado americano em que tribunais não aceitam as cláusulas é o Nebraska. Já em Nova York elas são válidas, desde que cumpram alguns requisitos.

 

Na Alemanha, a cláusula é mais comum para empregados do comércio, que ficam até dois anos fora do mercado em que atuavam após sair de uma empresa.

 

O inimigo em casa

Com o aumento do número de fusões e aquisições, empresas brasileiras começam a lidar com situações até então impensáveis. Recentemente, os sócios da área trabalhista do escritório Demarest & Almeida se depararam com uma delas.

 

Uma empresa vendeu sua fatia em uma companhia que ajudou a fundar. Assinou a cláusula que o impedia de concorrer no segmento. Tornou-se funcionário. Paralelamente e sem conhecimento dos novos donos, abriu outra companhia. E, segundo os advogados, usou a estrutura da empresa antiga para levar clientes para a nova.

 

“Ele entrou na Justiça alegando que a cláusula de não concorrência perdeu a validade quando aceitou ser funcionário”, diz Marcia Melga, sócia da banca que acompanha o caso defendendo a companhia.

 

Como nasce a discórdia

  • – Com economia aquecida, as empresas sabem que altos executivos são cobiçados.
  • – Para não perdê-los para a concorrência, incluem cláusulas que impedem que reforcem empresas do mesmo segmento por um determinado prazo.

Alguns profissionais, porém, entram na Justiça para não ficar de fora do mercado, o que gera a maior parte das queixas.

 

Disputas milionárias

 
  • – Com facilidade para trocar de emprego, altos executivos deixaram de temer a possibilidade de que ir à luta pelo que consideram justo possa prejudicá-los no mercado.
  • – Executivos contratados pelo regime de pessoa jurídica e chegando ao topo cada vez mais jovens são outros dois fatores que têm impulsionado disputas.
  • – Não são raros os casos em que executivos deixam as empresas e ficam recebendo o salário integral para não reforçar um dos concorrentes diretos por determinado período.

Fonte: Brasil Econômico

 

Publicado por Henrique Guimarães Advogados Associados

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