O direito do consumidor no judiciário Baiano

Autor Henrique Guimarães Artigo de Henrique Guimarães
Advogado Especialista em Direito Civil/ Direito do Consumidor e Direito Processual Civil, Professor do Curso de Pós-Graduação em Direito Imobiliário da UNIFACS, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB-BA (2010-2012), colunista jurídico do site de notícias BahiaJá.

No próximo dia 05 novembro completará um ano que o Tribunal de Justiça da Bahia aprovou a Resolução n° 18/2008. Esta Resolução extinguiu as Varas Especializadas de Relações de Consumo e deu competência às Varas Cíveis (que cuidam de despejos, possessórias, causas empresariais, etc.) para julgarem as causas relacionadas ao consumidor. Cabe perguntar, então, na proximidade do primeiro aniversário da Resolução, o que mudou e em que ganharam os consumidores baianos com tal deliberação?

 
O direito do consumidor no judiciário Baiano

Primeiro façamos um retrospecto, para lembrar que as duas Varas Consumeristas existentes estavam abarrotas, com volume de processos muito superior à sua capacidade. E por quê? Por dois motivos: 1) O Tribunal havia, meses antes da Resolução n°18/2008, deliberado transmudar uma gama de dezenas de milhares de processos que tramitavam nas Varas Cíveis para as duas Varas de Consumo (Busca e Apreensões, execuções e Reintegrações de Posse em maioria), atravancando-as ainda mais; 2) Porque o Tribunal não efetivou a determinação da Nova LOJ (Lei de Organização Judiciária da Bahia que passou a vigorar em maio de 2008) que previa a criação de 15 novas Varas de Consumo sob a alegação de falta de recursos. Pronto, estava completado o cenário ideal para deliberar a extinção das Varas de Relações de Consumo na Bahia.

 

Façamos, aqui, mais uma digressão para esclarecer que a nova Lei de Organização Judiciária foi durante meses discutida em audiências públicas, com diversos seguimentos sociais, em especial os ligados ao direito do consumidor: Associações de Consumidores, Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, etc., num movimento de construção democrática que resultou no texto votado e aprovado pela Assembléia Legislativa da Bahia, em vigor, registre-se.

 

Esse texto legal determina a criação de 15 novas Varas de Relações de Consumo, dentre outros motivos, por que: a) cerca de 70% de todas as causas que chegam no Judiciário baiano hoje, são de consumo (dados do Poder Judiciário – DPJ); b) A Constituição Federal coloca como garantia fundamental e dever do Estado promover a defesa do consumidor; c) O Código de Defesa do Consumidor (art. 5º, IV) determina a criação de Varas Especializadas de Consumo e d) O Direito do consumidor é um micro sistema jurídico multidisciplinar, de caracteres especiais e que requer conhecimento específico e atualizado por parte dos aplicadores da lei.

 

Eis os motivos porque se contrapuseram à polêmica Resolução 18/2008 todos os seguimentos ligados ao direito do consumidor: Ministério Público, Defensoria Pública, OAB, movimentos sociais e associações de defesa do consumidor, grande parte da Assembléia Legislativa e até os próprios juizes das Varas Cíveis que levaram a questão ao CNJ à época, obtendo decisão desfavorável. Não faltaram sugestões e alternativas várias, como a transformação de algumas Varas Cíveis (com relativa capacidade ociosa) em Varas de Relações de Consumo, hipótese que elidiria o argumento da falta de recursos para criarem-se novas Varas de Consumo. Nada adiantou, porém, e o Tribunal permaneceu irredutível à extinção das Varas Especializadas de Consumo.

 

Pois bem, um ano após a aprovação da Resolução 18/2008 pode-se constatar o grave retrocesso que vem sofrendo o direito do consumidor no Judiciário baiano. Primeiro, por que se constata uma dificuldade natural, por parte de alguns Juizes que eram civilistas em aplicar corretamente o direito do consumidor. Não digo natural à toa, haja vista que estes juizes deixaram de aplicar o direito do consumidor desde 1997, ano em que foram criadas as Varas Especializadas. É realmente natural que onze anos depois, período onde o direito consumerista evoluiu muito como ciência, haja dificuldades no manejo deste ramo do direito. E tem havido em número significativo decisões que simplesmente ignoram os princípios consumeristas para se fundamentar em premissas do direito civil (não protetivo), em evidente prejuízo dos consumidores.

 

O consumidor hoje é visto até com certo preconceito no Judiciário, haja vista que após a Resolução abundam decisões contrárias aos seus interesses e a favor das empresas, algumas com indisfarçáveis rancores contra os consumidores. Muitas até se contrapõem às orientações jurisprudenciais do STJ.

 

Existe hoje um nítido movimento reacionário contra o Direito do consumidor na Bahia, enquanto no Brasil e em outros países este ramo do conhecimento evolui e conquista a cada dia novos avanços para a sociedade. Para exemplificar temos a França (Code de la Consommation), onde existe o tratamento legal para o superendividamento do consumidor, propiciando formas de soerguimento e reabilitação do indivíduo perante a sociedade. Aqui só temos algo parecido para as pessoas jurídicas, com a Lei de concordatas e falências.

 

Existem países onde há um conselho colegiado para onde são dirigidas as solicitações das empresas para inscrições dos nomes dos consumidores inadimplentes. Este conselho vai avaliar a pertinência da solicitação e aprovar ou não o pedido. No Brasil não há anteparo nenhum que defenda os consumidores previamente. Basta a empresa desejar ou se equivocar e o seu nome já estará no rol dos maus pagadores, mesmo que você não deva um centavo na praça.

 

Enfim, quem tem processo de consumo na Justiça baiana hoje, sente na pele o retrocesso e a saudade das Varas Especializadas de Defesa do Consumidor, conquista da cidadania e da democracia. Não obstante, porém, vamos sempre lutar para que o consumidor seja respeitado e que o direito do consumidor seja corretamente aplicado em benefício de toda a população. Certamente todos nós, em algum momento, precisaremos (se já não precisamos) recorrer à justiça para defender direito seu contra alguma prática abusiva no mercado de consumo. Afinal de contas, vivemos numa sociedade de consumo capitalista, e, portanto, travamos relações de consumo a todo instante, mesmo que nem sempre nos demos conta disso!